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A tradição portuguesa do “Pão por Deus”

A tradição portuguesa do “Pão por Deus”

(a nossa versão de “Trick or Treat”)

Como e quando surgiu a tradição “Pão por Deus”?

A prática de oferecer alimentos aos falecidos é uma tradição comum em várias culturas pagãs, incluindo a cultura celta, cujos membros ocuparam a região que hoje corresponde a Portugal. Acredita-se que o Halloween tenha originado a partir dessas tradições, nas quais se fazem homenagens àqueles que partiram, assumindo variações interessantes de um país para outro. Em Portugal, o costume de pedir “Pão por Deus” está associado à tradição de oferendas aos mortos e é observado no Dia de Todos os Santos, também conhecido como Dia dos Fiéis Defuntos. Já no século XV, este dia era chamado de Dia do Pão por Deus, e nessa ocasião, eram distribuídos alimentos aos mais necessitados. A prática ganhou força após o grande terramoto de 1755, que devastou uma parte significativa da capital portuguesa e ocorreu justamente no dia 1 de novembro, o Dia de Todos os Santos. Nesse período, a cidade sofria com a fome e a miséria, tornando ainda mais evidente a importância de compartilhar alimentos com aqueles que mais precisavam. Em 1756, as pessoas saíram às ruas de Lisboa batendo de porta em porta, solicitando qualquer tipo de ajuda, mesmo que fosse apenas pão. Dado o desespero da situação, as palavras “Pão, por Deus” tornaram-se um pedido comum. Em troca da generosidade, os mendigos recebiam pão, bolos, vinho e outros alimentos, que eram oferecidos em homenagem aos falecidos e em súplica por suas almas. Assim, a tradição do “Pão por Deus” em Portugal tem as suas raízes no Dia de Todos os Santos e uma ligação histórica com o terramoto de 1755.

Os sacos para pedir pão

Quando as crianças pedem o “Pão por Deus”, elas declamam poemas e são presenteadas com oferendas que incluem pão, bolos, broas, romãs e uma variedade de frutos secos, como nozes, tremoços, amêndoas ou castanhas. Algumas chegam mesmo a receber guloseimas ou dinheiro. Estes presentes são cuidadosamente guardados em bolsas de pano, muitas vezes feitas de retalhos ou enfeitadas com borlas pelas próprias crianças.

Imagem 1 – Sandrina Alberto (Pinterest)

Imagem 2 – pumpkin.pt

Os cânticos

Em Coimbra, por exemplo, as crianças andam de porta em porta, levando uma caixa de cartão com uns olhos, uma boca e uma vela, enquanto entoam o seguinte cântico:

Bolinhos e bolinhós

Para mim e para vós,

Para dar aos finados

Que estão mortos e enterrados

À bela, bela cruz

Truz, Truz!

A senhora que está lá dentro

Sentada num banquinho

Faz favor de s’alevantar

Para vir dar um tostãozinho.

Se dão doces:

Esta casa cheira a broa,

Aqui mora gente boa.

Esta casa cheira a vinho,

Aqui mora um santinho.

Se não dão doces:

Esta casa cheira a alho

Aqui mora um espantalho.

Esta casa cheira a unto

Aqui mora algum defunto

Ficam aqui alguns exemplos de outras cantigas desta tradição.

As receitas de bolinhos

Para este dia, confecionam-se os chamados “Bolinhos dos Santos” ou “Broinhas dos Santos”, feitos à base de farinha, canela e frutos secos. Fica aqui uma receita para, literalmente, “porem as mãos na massa”.

As celebrações da tradição em Portugal

São várias as localidades pelo país onde se pratica o costume do “Pão por Deus.”

Na zona da Fátima e Leiria, pelas aldeias continua a celebrar-se o “Dia do Bolinho”. Os mais pequenos vão de porta em porta e dizem: “Ó Tia dá bolinho, por amor ao seu santinho!” Todas as casas estão preparadas para receber as crianças, dando os bolinhos típicos deste dia, rebuçados, chocolates, moedas, entre outros.

Nos Açores, no dia do “Pão por Deus”, aqueles que podiam preparavam nas suas casas uma generosa quantidade de milho cozido e castanhas para partilhar e degustar. Mais tarde, surgiram os rebuçados e doces para alegria das crianças, que ficavam felizes mesmo com as guloseimas caseiras, feitas com calda de açúcar e um toque de vinagre.

Na ilha Terceira, nos Açores, durante o peditório, são oferecidas às crianças as “caspiadas”, bolos com formato de crânio, claramente relacionados a práticas rituais do culto aos mortos.

Na ilha da Madeira, também se celebra o “Pão por Deus”, com a oferta de castanhas, nozes, figos e frutas como parte da tradição.

Em Barqueiros, no concelho de Mesão Frio, à meia-noite do dia 1 para o dia 2 de novembro, preparava-se uma mesa com castanhas, destinada aos parentes já falecidos, para que se pudessem alimentar durante a noite. Era uma crença local que ninguém deveria tocar nessa comida após a oferenda, pois acreditava-se que ela se tornaria inapropriada para consumo devido à presença dos falecidos.

Na aldeia de Vila Nova de Monsarros, as crianças elaboravam os chamados “santórios”, nos quais recebiam frutas e bolos, enquanto cada criança carregava uma abóbora oca com uma face esculpida e uma vela acesa dentro.

Esta tradição, para além das raízes religiosas, está ligada à solidariedade e à caridade, lembrando-nos da importância de ajudar os necessitados e de honrar aqueles que já faleceram. Embora seja mais comum nas áreas rurais e pequenas comunidades, algumas áreas urbanas em Portugal ainda mantêm essa prática viva.

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